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Aperfeiçoamento do belo

Publicado em 26/01/2009

"O corpo continua sendo a parte do mundo que mais interessa ao Homem".
Flávio de Carvalho (1899-1973), arquiteto, artista plástico e agitador cultural.

A gaúcha Juliana Borges, de 22 anos, reserva um ar cândido para o comentário. "Não imaginava que fosse causar tamanho alvoroço", diz ela. No dia 26 de março, foi eleita Miss Brasil 2001, embora os jurados do concurso soubessem que sua beleza fora aprimorada artificialmente. Juliana jamais escondeu que fizera 19 intervenções na silhueta, assinadas por um cirurgião plástico de Porto Alegre. Recebeu coroa e faixa como a mais bela mulher do país e acendeu o debate sobre os limites da remodelagem do corpo. Embora os brasileiros estejam cada vez mais acostumados aos implantes de silicone, às lipoaspirações e cinzeladas adicionais nas curvas de mulheres famosas, com Juliana a reação foi de surpresa: será que ela tinha de ser naturalmente bela?
Pela primeira vez essa discussão envolveu uma miss, de quem se esperam atributos físicos irretocáveis. Juliana será a representante brasileira no mais tradicional concurso de beleza do mundo, o Miss Universo, realizado há meio século. Se vencer, promoverá uma revanche à derrota da baiana Martha Rocha, Miss Brasil 1954. Segundo a lenda, Martha perdeu o título de Miss Universo por ostentar 2 polegadas a mais nos quadris. Nada que uma lipoaspiração banal não resolva.
Juliana já obteve uma vitória: havia décadas uma rainha da beleza não chamava tanto a atenção. O concurso nacional amarga uma persistente decadência. Nem sequer é transmitido pela televisão. Na semana passada, a gaúcha fechou contrato com uma fábrica de lingerie, como garota-propaganda. Exibirá em outdoors a silhueta retocada pelo médico Almir Nácul.
Com 1,80 metro e 58 quilos, aumentou o busto para chegar aos 90 centímetros, harmonizados com a mesma medida nos quadris. Lipoaspirações na barriga e nas costas afinaram a cintura para os atuais 60 centímetros. Aos cabelos acrescentou-se um aplique que os fez crescer 10 centímetros. Foram repintados de castanho: a cor original sumira sob camadas de outras tinturas. À noite, usa lentes de contato que realçam o verde dos olhos. "Sou perfeccionista", afirma.
A naturalidade com que a Miss Brasil 2001 enfrentou o bisturi tem origem em sua profissão. Modelo desde os 15 anos, convive com homens e mulheres que esculpem o corpo de acordo com as exigências das passarelas. Ela ri do tempo em que precisava prender os seios com fita adesiva para simular um colo mais volumoso. "Só assim eles sobressaíam no decote", lembra. Filha de um comerciante e de uma professora de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, Juliana trabalhou como bancária e freqüentou uma faculdade de artes plásticas. Trancou matrícula, largou o emprego há um ano e agora só pensa na competição internacional.
A transformação de Juliana resume a mudança de perfil da cirurgia plástica no Brasil. Até a década de 80, as operações eram privilégio da elite – gente com dinheiro para investir na eliminação das marcas da idade ou na correção de imperfeições faciais, como orelhas de abano ou nariz fora de esquadro. Eram, enfim, uma providência dos que temiam envelhecer mal. Agora, são os jovens quem busca retoques. Com a lipoaspiração, encontraram um jeito de dissipar depósitos de gordura que só acabariam com intensas sessões de ginástica. O silicone tornou fartos os seios de mulheres na faixa dos 20 anos e devolveu o viço às que estão acima dos 40. Na esteira do pioneiro Ivo Pitanguy, gerações de cirurgiões brasileiros espalharam consultórios pelo país. "Boa parte de minhas pacientes são moças que acabaram de amamentar", diz o cirurgião Farid Hakme, do Rio de Janeiro. Segundo ele, a demanda tem sido tão grande, que, de cada dez clientes que procuram os especialistas, duas são aconselhadas a esquecer a idéia. "Recebo mulheres com seios bonitos querendo silicone. Ou obesas que podem emagrecer em vez de ser operadas", relata Hakme. O cirurgião Paulo Müller, do Rio, está preocupado com o que batizou de "síndrome de Miss Brasil". Prevê uma corrida ainda maior aos consultórios, acelerada pelo entusiasmo de mulheres como Juliana Borges. "Não temos o poder de transformar pessoas", avisa Müller, sem medo de perder pacientes. "Pode-se mexer em detalhes, mas não se cria uma miss."
Juliana fez as plástica há quatro meses, depois de ser escolhida Miss Rio Grande do Sul. As operações custaram R$ 15 mil e foram patrocinadas pelos organizadores do evento. Eles apostaram nas chances da bela jovem no concurso nacional. A transparência da miss turbinada incomodou até quem vive de aprimorar musas. "No concurso, deveriam valer só dotes naturais", opina o cirurgião paulista Herbert Gauss.
A polêmica em cartaz escancarou uma realidade até hoje encoberta: a plástica é recurso comum entre candidatas a miss, mas isso ficava em segredo. Depois que Juliana admitiu as operações, a Miss São Paulo, Joyce Aguiar, também confessou ter aumentado os seios e afinado o nariz. "Quem vive da imagem tem de estar sempre bem", diz Ana Helena Patrus, dona da Clínica Santé, que promoveu transformações em divas como Xuxa e Vera Fischer.

Mudanças sutis
A modelagem do corpo da Miss Brasil
· Cirurgias
Correção das orelhas de abano e prótese de silicone nos seios
· Injeções
Aplicações de colágeno no maxilar, nas maçãs do rosto e na boca
· Lipoaspirações
Sucção de gordurinhas na barriga e nas costas
· Remoções
Eliminação de pintas no rosto, no pescoço e no abdome

Fonte: Revista Época
Edição 151
09 de abril de 2001
http://epoca.globo.com/edic/20010409/soci5a.htm
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