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Homens e mulheres resistem à pressão por plástica

Publicado em 26/01/2009

Ao contrário da maioria de suas amigas, a bioquímica Lucy Dialetachi, 54, nunca fez plástica. Não por falta de vaidade --ela se prepara para desfilar pelo 12º ano no Carnaval paulistano e diz que é do tipo que 'corre para ser fotografada'.

"Não sou dessas que deixam o cabelo branco. Já aos dez anos pedi ao meu pai que me comprasse pomada de vitamina A, para o rosto", conta.

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Popularização de intervenções cosméticas não convence grupo de resistentes, que quer manter rugas e outras marcas de expressão
Feliz por manter as medidas de quando era solteira, ela afirma não se importar com as rugas que apareceram em seu rosto. Ainda assim, não está imune à opinião das amigas, que a aconselham a removê-las, "para tirar o ar de cansaço".

"Se estou contente, as marcas desaparecem." Mas basta o ânimo abaixar para que ela volte a percebê-las. "Aí você só pensa em arrumar os defeitos."

Lucy não é a única a se sentir pressionada para dar um retoque na aparência. Com a popularização dos procedimentos estéticos e a difusão de um padrão de beleza no qual não cabem as marcas do tempo, os consultórios dos dermatologistas e cirurgiões plásticos lotam de pessoas à procura de soluções para disfarçar rugas, flacidez e gordurinhas.

Junte-se a isso a constante divulgação de intervenções sofridas por celebridades e políticos --a última foi a ministra Dilma Rousseff, que acaba de aparecer com visual repaginado após fazer um lifting facial (intervenção em que se levanta a pele para eliminar rugas) e uma cirurgia nas pálpebras.

Para a dermatologista Luciana Conrado, conselheira da Sociedade Brasileira de Dermatologia - Regional São Paulo, a simplificação dos procedimentos cosméticos, que se tornam menos invasivos, e sua divulgação nem sempre responsável contribuem para a banalização desse tipo de prática.

Segundo ela, a ênfase excessiva que se atribui à imagem na sociedade contemporânea faz com que o corpo passe a ser uma forma de afirmar a identidade. "Em vez de cultivarem a individualidade, as pessoas buscam padrões. Parece que somos um protótipo que temos que redesenhar e corrigir."

A cabeleireira Roseli de Lima, 41, não pensa assim. Para ela, nem toda imperfeição deve ser corrigida. "Um defeito, se for um pouquinho, pode ser um charme", diz ela, que afirma se sentir "maravilhosa".

Já suas amigas acham que poderia estar melhor e fazer uma "lipo". Mas ela não quer. "Não sou magra nem muito gorda e estou sempre de salto, o que ajuda, né?" Além de temer as complicações que a plástica pode trazer, Roseli diz que "as pessoas buscam tanto a beleza de forma artificial que acabam espantando ao invés de atrair".

No trabalho

O culto à juventude na sociedade ocidental é outro fator citado por Luciana Conrado como responsável pelo aumento da pressão por plásticas. "Há uma busca por prevenir algo inexorável, que é o envelhecimento. Enquanto entre os orientais a experiência é valorizada por trazer sabedoria, aqui há valorização da juventude."

Ela diz receber em seu consultório muitos executivos mais velhos que querem aparentar menos idade por se sentirem inseguros em relação aos colegas mais novos, cada vez mais presentes nas grandes empresas.

"Os homens sofrem muita pressão também. Alguns têm uma testa marcada que não combina com a imagem que precisam passar no emprego e aplicam toxina botulínica [conhecida como botox] para dar mais suavidade", diz.

O psicólogo Florival Scheroki, doutor em psicologia experimental pela USP (Universidade de São Paulo), observa que as motivações que levam a fazer a cirurgia nem sempre são pessoais.

"Se você depender muito do corpo para trabalhar, como uma atriz, a plástica é uma questão prática. Boa parte dos políticos, por exemplo, usa botox. Se Dilma Rousseff não fosse ministra, não sei se faria a plástica", diz.

Para o ator Tuca Andrada, 44, a intervenção cosmética pode, ao contrário, prejudicar o trabalho.

"Acho muito perigoso um ator fazer plástica. Ele trabalha com expressão, e a plástica pode mudá-la muito", diz. "Um ator tem que ter as marcas no rosto, pois é algo que ele carrega e que vai ajudá-lo na interpretação", afirma.

Ele conta, rindo, que seu dermatologista já lhe perguntou se não gostaria de aplicar botox. "Acho mais complicado ainda porque paralisa o rosto. Não há nada de mais em se cuidar. Mas o tiro pode sair pela culatra."

Para a antropóloga Liliane Brum Ribeiro, apesar de o mercado de cirurgias plásticas estéticas para homens vir crescendo gradativamente, trata-se de uma questão socialmente relacionada às mulheres --ou a uma "maneira medicalizada de construir a feminilidade".

"Entre os homens, existem reservas em admitir as cirurgias estéticas, pois elas ainda estão muito circunscritas ao universo feminino".

A psicóloga Eliza de Sousa, 46, que está feliz com a própria imagem e rejeitou a recomendação de botox feita por sua dermatologista
Ela fez uma pesquisa na qual acompanhou, por quatro anos, cerca de 30 mulheres que haviam se submetido cirurgias plásticas. Observou que, para muitas, a intervenção aparece como uma solução mais imediata do que fazer exercícios, por exemplo.

"As cirurgias dão uma sensação de "cinderela", ou, como me disse uma jovem que fez lipoescultura, silicone e botox, você dorme feia e acorda bonita"."

Transtorno

A supervalorização da imagem pode até contribuir para desencadear ou piorar um problema psiquiátrico: o transtorno dismórfico corporal. Luciana Conrado acaba de finalizar um estudo com pessoas que têm o problema, caracterizado por preocupação exagerada com defeitos no corpo -que podem ou não existir.

"Se o paciente tem um defeito mínimo, ele pensa que é algo enorme. Há quem ache que tem manchas no rosto quando não tem ou elas são imperceptíveis."

Conrado acompanhou 350 pessoas e viu que cerca de 10% tinham o transtorno. Destas, 60% já haviam se submetido a algum tratamento estético. A maioria ficou insatisfeita com o resultado.

"Elas vão de médico em médico passando por vários procedimentos, mas nunca estão satisfeitas. Uma paciente havia operado o nariz 12 vezes. É incrível encontrar médicos que fazem isso."

Ela afirma que os médicos devem ficar atentos para esses casos. "É um desafio enorme, pois, se você fala que não vai fazer, o paciente vai ao vizinho e ele faz. É preciso criar uma rede de proteção em torno da pessoa, trabalhar em conjunto com psicólogos, psiquiatras."

Foi a dermatologista de Eliza de Sousa, 46, que sugeriu que ela aplicasse botox em uma marca de expressão na testa. A psicóloga frequentava o consultório só para tratar acne.

"Ela me pediu que "pensasse com carinho", mas acho que não preciso. Para ela, estou pensando até hoje", brinca. Eliza diz que reagiu naturalmente ao pedido. "O profissional tem o direito de oferecer seu trabalho. Aceita quem quer."

Para especialistas, a cirurgia plástica em si não é ruim. Conrado lembra que há muitos casos em que a intervenção é acompanhada por melhora na autoestima.

"Há pessoas que são muito insatisfeitas com algo que pode ser mudado e se sentem bem após a correção."

Segundo Scheroki, o problema está nas expectativas. "A cirurgia passa a ser um problema quando a pessoa sofre com algum aspecto de sua aparência e deposita a expectativa de alívio desse sofrimento na plástica. Esse é um indicativo de que ela deve procurar ajuda psicológica e, não apenas a cirurgia."

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u493119.shtml
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