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Aconteceu comigo, e pronto.

Publicado em 26/01/2009

Caçadora de notas exclusivas há mais de vinte anos, a paulistana Joyce Pascowitch, 54, passa a vida dando notícias sobre famosos, colunáveis, políticos e quem mais mereça aparecer. Dona e constante agitadora do site Glamurama, ela edita duas revistas, participa de programa de rádio e esporadicamente faz comerciais dirigidos a um público de alto poder aquisitivo. Há seis meses, soube que estava com câncer de mama e decidiu fazer exatamente o contrário: não contou a ninguém fora do círculo familiar mais íntimo. Agora, passado o pior, achou que podia ajudar outras mulheres que enfrentam a doença relatando a VEJA sua experiência. De forma honesta, às vezes irreverente, ela fala sobre os medos, as vitórias e a ajuda que um bom médico – e um cabeleireiro também – pode dar nessas horas.

Quando você soube que estava com câncer?
Eu soube que tinha um nódulo no seio em março e ele foi retirado. Eu não tenho essa doença. Eu não estou doente.

Por que você não fala a palavra câncer?
Ninguém fala isso. Essa palavra não foi mencionada por nenhum médico durante meu tratamento. Só falam a palavra nódulo. Então, eu também só falo nódulo. É mais suave.

Como você descobriu?
Foi em um exame de rotina. O médico disse que tinha um carocinho no meu seio e que eu precisava fazer uma punção para ver do que se tratava. Fiz a tal punção. Dias depois, estava na minha casa, fazendo uma massagem, quando o médico ligou e falou que eu ia precisar ser operada para retirar um nódulo. Na hora, minha boca amargou. Acho que de medo. Tive de ir ao banheiro fazer um bochecho. Dispensei a massagista e liguei para o meu marido já chorando.

O que você fez depois desse telefonema?
Foi o pior momento. Eu queria operar no dia seguinte. Queria resolver aquele problema imediatamente. Meu médico explicou que eu tinha, primeiro, de decidir qual a equipe que ia me operar e o hospital onde faria a cirurgia. Entre outras coisas, falou que eu tinha de escolher um oncologista. Pensei: que palavra é essa, oncologista? Nunca tinha passado pela minha cabeça escolher um oncologista!

E como você escolheu?
Eu tive sorte, porque um dos melhores do país é amigo da família há muito tempo. Foi muito importante poder ter um médico com quem eu tinha afinidade. Médico é um ser humano como qualquer outro. Às vezes, eles falam as coisas sem tato. E, nessa fase, a gente precisa ser tratada com muito cuidado. Você não sabe de nada, fica fazendo exames a toda hora, e ainda tem de tomar um monte de decisões estranhas. Foi um tempo de muita correria, muito hospital, muitas idas a consultórios médicos. Nessa hora, eu não senti medo. Acho que não deu tempo de sentir medo.

Como foi a operação para retirar o nódulo?
Eu descobri em março e fui operada em abril. Depois de duas semanas, foi feita outra cirurgia para retirar os gânglios linfáticos debaixo da axila, o que os médicos chamam de "esvaziar". Essa é uma operação mais de prevenção, para ter certeza de que não haverá a propagação da doença para outras partes do corpo. Em tese, eu não precisava ter me submetido a essa segunda cirurgia, já que, segundo os médicos, o risco de os gânglios estarem comprometidos era só de 1,5%. Mas eu não quis arriscar, quis tirar logo tudo. Depois, os médicos também me disseram que a quimioterapia era aconselhável, mas não obrigatória, entre outros fatores pelo tamanho reduzido do meu nódulo, 1 centímetro. Mas eu decidi fazer. Imagina, eu ando em carro blindado, não vou blindar o meu corpo?

Você sofreu muito com a quimioterapia?
Eu não senti uma náusea durante o tratamento. Só depois. Eu acho que é porque eu não via a quimioterapia como algo penoso. Para mim, aquele remédio era o que ia me curar. Eu via gente chegando à clínica e falando: "Hoje é dia de veneno". Eu encarava de outro jeito. Pedia para as enfermeiras me avisarem quando ele começasse a subir na minha veia e, nessa hora, dava a mão para o meu marido. Tinha uma televisão na frente da cadeira onde eu tomava a químio, mas nunca liguei. Eram duas horas em que eu ficava quietinha, só pensando naquele líquido circulando pelo meu corpo e me tratando. Depois das quatro sessões de quimioterapia, uma a cada três semanas, aí, sim, eu me senti muito mal. Não conseguia comer, tinha enjôos, sentia um mal-estar generalizado. Tive de tomar soro quatro dias seguidos. Nesses dias, eu chorei muito. Chorei tudo que não tinha chorado durante a quimioterapia. Foi o momento em que desabafei.

Permitir-se ser fraca, ainda que ocasionalmente, também não é importante?
Muito importante. No meu caso, eu só desabei quando acabaram as sessões de quimioterapia porque, durante o processo, estava tão aflita para resolver tudo que não me sentia fraca. Quando acabou, chorei feito uma bezerra. Mas foi mais um choro de alívio do que de medo.

Seu cabelo caiu?
Pouco. Em vez de cair, ele ficou todo enrolado em tufos, tipo dreadlocks. Meu cabeleireiro foi fantástico. Ele soube que eu estava com esse problema e foi, ele mesmo, comprar duas perucas para mim. As mulheres que passam por essa situação costumam comprar suas perucas em lojas que os hospitais indicam. É um erro. São os cabeleireiros que sabem onde estão os melhores produtos. O meu não só comprou como cortou e pintou minhas perucas. Elas ficaram muito parecidas com meu cabelo normal. Uma vez por semana, mando uma delas para lavar.

Raspar a cabeça foi o pior momento?
Eu sofri, mas nem de longe foi o momento mais difícil. Quando eu raspei, levei meu marido e os dois filhos dele, que eu considero meus também, para o salão. A idéia não era cortar o cabelo naquele dia, era só lavar os dreadlocks. Mas meu cabeleireiro me convenceu a raspar. Segurei a mão do meu marido, dei uma choradinha, ele também, e passamos a máquina três. Até que me segurei bem.

Como foi sair de peruca nos dias seguintes?
Era desajeitado. Dois dias depois, resolvi sair sem ela, só com uma touquinha de lã na cabeça. Entrei no meu carro, falei para o motorista, que trabalha comigo há catorze anos: "Olha, seu Alberto, eu estou carequinha!", e tirei a touca. Ele ficou tão assustado que desabou no choro. Daí, nós nos abraçamos.


Seu seio ficou feio?
Eu tirei uma parte do seio afetado, o que diminuiu o seu tamanho. Já na primeira cirurgia, os médicos fizeram uma plástica nos dois seios para que ficassem iguais. Geralmente, mulheres que têm mamas pequenas têm de fazer um enxerto de pele. No meu caso, como tinha seios grandes, fiz uma plástica redutora na mama não afetada. Acredite, fazer essa cirurgia foi ótimo. É muito louco, porque a plástica termina ocupando um lugar importante em meio ao sofrimento todo. Você trata aquele processo como se fosse só uma plástica. Dá uma levantada, sabe?É um jeito de unir uma coisa dura a algo que, esteticamente, te dá algum prazer.

Você contou para seus amigos e familiares que estava doente?
Para pouquíssimas pessoas. Só para meu marido, meus filhos, minhas irmãs, meus empregados, que são muito próximos de mim, e, no escritório, para duas assistentes que estão comigo há muitos anos. Para a minha mãe, só contei depois da segunda sessão de quimioterapia, para poupá-la do sofrimento. Foi uma das melhores coisas que eu fiz. Se você fala para os seus amigos, eles ficam arrasados e, nessa hora, você não tem força para dar apoio a ninguém. Só tem energia para cuidar de você mesma. Dias depois que acabou a químio, contei para alguns amigos. Convidei-os um a um para um chá na minha casa e falei tudo.

As pessoas souberam como ajudá-la?
É importante nessa hora você dizer para os seus amigos e para os seus parentes o que espera deles. Ao meu marido, eu disse que queria que ele pegasse mais na minha mão. Também tive de conversar a sério com um amigo. Ele ligava todo dia na minha casa para saber de mim. No outro dia, me encontrava e perguntava: "Você recebeu o meu recado?". Bom, se ele quisesse mesmo saber de mim, era só perguntar a quem atendesse ao telefone. Ele estava, na verdade, preocupado consigo mesmo, em marcar presença, não comigo.

Você ficou se perguntando por que a doença tinha acontecido com você?
Não. Primeiro, porque os médicos me explicaram que eu estava dentro do que eles chamam de grupo de risco: tenho mais de 50 anos, não tive filhos e não amamentei. Além disso, faço análise há 31 anos. De alguma maneira, isso me ajuda a ficar lúcida e não me vitimizar diante de episódios ruins. Também sou muito religiosa. Acredito que existe uma roda da vida. Ela vai girando e as coisas boas e ruins acontecem para todo mundo. Aconteceu comigo, e pronto.

O que mudou na sua rotina durante o tratamento?
Eu parei de ir ao cinema e aos restaurantes que costumava freqüentar. Escolhia um bem distante da minha casa, um japonês, por exemplo, e gostava de ficar lá, ouvindo o sushiman falar sobre o preço do peixe. Parecia que eu estava em outra dimensão. Era mais fácil entrar em outro mundo do que encarar o meu.

Você tinha medo da reação de conhecidos?
Na verdade, eu me sentia sem energia para explicar o que estava acontecendo. Eu sabia que iam aparecer perguntas, as pessoas iam ficar abaladas e, sinceramente, naquela altura eu só podia dar conta do meu sofrimento.

O que aconteceu com o seu corpo?
Primeiro, minha boca se encheu de aftas e de sapinho. Para cuidar desses problemas, existem dentistas especializados em oncologia. Comecei a freqüentar um que passava um laser na minha boca e curou bem as feridas. Meus dedos estão enrugadinhos, parece que eu passei horas no banho. O médico disse que isso é normal, e que depois passa. Também surgiram umas feridinhas no meu rosto, que eu já tirei no dermatologista. Eu emagreci, mas meu rosto inchou. Nesse tempo todo, eu nunca deixei de passar batom, lápis no olho e de pôr pulseira e colar. Fiz as unhas toda semana. Só não tirava a cutícula. O médico disse que eu tinha de manter essa proteção.

É possível fazer amor nesse período?
Eu prefiro só te dizer: e por que não? Meu marido tem sido maravilhoso. Ele me fala: "Vem aqui que eu vou te agarrar, sua carequinha".

E ginástica, você faz?
Muita. Mas um pouco mais devagar. É importante para mim saber que ainda consigo fazer exercícios. Claro, hoje caminho numa velocidade menor, porque o batimento cardíaco sobe muito rápido. Continuo também praticando ioga. É engraçado, porque a ioga tem muitos movimentos de expansão do tronco e dos braços, que expõem justamente a área afetada. E cada vez que faço esses movimentos eu me emociono e choro muito.

Como você lidou com a questão do trabalho?
Durante o tratamento, eu não parei de trabalhar. Claro, quando estava mais derrubada, não ia ao escritório. Mas a rotina não foi afetada. Agora é que mudou. Trabalho menos. Chego mais tarde e vou embora mais cedo. E só faço coisas que não me tragam desconfortos. Não vou dizer que só faço coisas que me dêem prazer porque esta, obviamente, não é uma fase de prazeres.

Em que fase você está do tratamento?
Estou começando a fazer a radioterapia. Serão 33 sessões. Não dói nada. É como tirar um raio X. Um médico me disse que a rádio é o cafezinho da refeição. Um tempo em que você se prepara para voltar para a sua vida de antes. Eu discordo. Não sou a mesma pessoa de antes.

Fonte:
http://veja.abril.com.br/011008/entrevista.shtml
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