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Ivo Pitanguy transmite suas vivências em livro

Publicado em 26/12/2008

RIO - "Mestre Ivo, o que é a feiúra?". E ele, cirúrgico como um mergulho de gaivota: "O sapo acha a sua sapa... bonita". Assim é esse mineiro de 82 anos, multinacional, tão reconhecido lá fora quanto Pelé, Niemeyer e Lula, talvez. (Jogador de futebol não vale).

Em Cartas a um jovem cirurgião, que será lançado nesta quarta-feira, Pitanguy começa descrevendo o terroir da sua "Belzonte" quando adolescente – os amigos: Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino, além de Voltaire, Anatole, Molière – e nos conta a vinda, nos anos 40, para o Rio, onde foi morar na sua "república", na Praia do Russel.

Mas é o dia-a-dia no Pronto Socorro do Souza Aguiar e, a seguir, na Santa Casa que nos leva a refazer, com ele, o itinerário do jovem cirurgião iniciante a caminho de sua paixão: a cirurgia plástica. Lá, funda e dirige a primeira clínica de cirurgia da mão no Brasil e, na seqüência, assume o Serviço de Cirurgia Plástica e Reparadora (1954).

Como diz o seu colega acadêmico Arnaldo Niskier, enquanto muito pintor "rateia" na hora de pintar uma mão, mestre Ivo dá banho, ao vivo.

De lá para o exterior, para o domínio das línguas e culturas dos americanos e europeus, para a sua própria clínica na Rua Dona Mariana, por onde já passaram 500 alunos e que abriga, também, o Instituto Ivo Pitanguy, para as clientes célebres – artistas e rainhas – e para a Academia, foi tudo questão de virtu i fortuna.

São 62 anos a serviço da medicina. Mas Ivo é simultaneamente um filantropo que até hoje opera de graça na Santa Casa, como há quase 50 anos foi incansável no cuidado e reparo dos queimados que sobreviveram ao terrível incêndio do circo de Niterói, em dezembro de 1961.

Pitanguy é um apaixonado pela possibilidade de recuperar pela intervenção reparadora – ou estética – a auto-estima dos que se sentem "traídos pela natureza", como dizia o seu professor John Longacre. Ou pela fatalidade.

Tanto por cálculo quanto por temperamento, no entanto, esse professor de mil conferências no exterior, de 980 trabalhos publicados, esse cirurgião que ainda opera, esse gentleman de vida social ativa é um homem sereno, preenchido de paz. Cita dois exemplos, no livro, com admiração: Rasputin, o "bruxo" da corte de Nicolau II, tinha um domínio enorme sobre as czarinas pela capacidade quase mágica de trazer tranqüilidade. Outro: no velho Egito, quando um faraó era "operado", durante todo o procedimento havia uma pessoa simples, do campo, que ficava junto a ele, inspirando calma. Acreditava-se que essa figura faria com que ele sangrasse menos.

Além de ser hoje, (com)provavelmente, o mais famoso cirurgião plástico em atividade no mundo, Ivo Pitanguy é um pensador, um professor-de-vida, um causeur. Membro da Academia Brasileira de Letras, o único médico, atualmente, embora tenha tido antecessores ilustres – Miguel Couto, Carlos Chagas, Clementino Fraga, Afrânio Coutinho – acaba de sofrer uma "freada de arrumação" para corrigir um estreitamento de válvula aórtica e lesões nas coronárias.

Mas está pronto para voltar à liça. Até porque, como disse Neruda falando de Picasso, há pessoas dentro das quais o Sol nunca se põe. Ivo Pitanguy é uma delas.

Entrevista

Jornal do Brasil: Como nasceu o projeto do livro?

- Quando me convidaram para fazer parte da coleção, lembrei-me imediatamente do poeta alemão – e universal – Rainer Maria Rilke, e suas Cartas a um jovem poeta. A idéia do livro é transmitir as vivências e tudo que passei a sentir depois da escolha da profissão.

Jornal do Brasil: O senhor sempre teve uma relação forte com a literatura. Como isso refletiu no seu trabalho?

- No livro falo sobre a relação das letras num sentido humanístico. Acredito que a sensibilidade humana não pode ser desprezada no campo da medicina. Sem essa formação fica mais difícil para um jovem médico inserir-se na profissão. E é também agradável estar com a mente aberta, sem focar-se apenas em seu segmento.

Jornal do Brasil: O jovem médico que se lançar na profissão hoje verá um cenário diferente do da época na qual o senhor se formou? O que mudou?

- A medicina mudou muito. Hoje, vivemos uma época em que se tem muito mais informações do que se pode absorver. Procuro estimular os jovens a ir além da tecnologia. Deve-se entrar em contato com as idéias para enriquecer o espírito.

Jornal do Brasil: O senhor é reconhecido por seu trabalho voluntário na Santa Casa. Como a filantropia entrou na sua vida?

- Um médico tem mais facilidade para prestar serviço aos outros do que um empresário ou um industrial, que só podem fazer doações. Já um médico doa a si mesmo. É um privilégio para mim. Mantenho contato com pessoas ricas em solidariedade.

Fonte: http://jbonline.terra.com.br
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