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O turismo do bisturi

Publicado em 26/12/2008

Um novo tipo de turista estrangeiro começa a se tornar significativo no Brasil: aquele que, além de sol, praia e água-de-coco, também está à procura de um nariz novo, um sorriso perfeito ou tratamento para um problema de saúde. Os gastos médicos feitos por esse tipo de visitante triplicaram nos últimos seis anos. De acordo com a Embratur, 30.000 turistas vêm ao país exclusivamente para fazer tratamento médico ou estético, cinco vezes mais que há três anos. Outros tantos vêm a negócios, para visitar amigos ou simplesmente fazer turismo – e aproveitam para consultar um médico, arrumar os dentes ou aplicar Botox. "Considerando todos os visitantes que unem férias convencionais a tratamentos de saúde, o número pode facilmente dobrar", diz José Antonio de Lima, presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados. O aumento no número de pacientes estrangeiros é confirmado pelo movimento em hospitais e clínicas de maior prestígio. No ano passado, o Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, atendeu 9.000 pessoas residentes no exterior, 10% mais que no ano anterior.

Quatro fatores incentivam um estrangeiro a procurar médicos ou hospitais brasileiros. O primeiro é o custo menor dos serviços de saúde por aqui, se comparado com o de países desenvolvidos. Uma cirurgia de redução do estômago chega a ser três vezes mais cara nos Estados Unidos. Com a diferença de preço, dá para pagar os gastos com hotel, passagem, alimentação, passeios e até sobra algum dinheiro. O segundo motivo é o prestígio de especialistas e clínicas nacionais em determinadas áreas médicas, como a cirurgia plástica, de longe a especialidade mais popular. Em média, 12.000 estrangeiros se submetem a cirurgias plásticas no Brasil por ano. Outras áreas bastante procuradas são odontologia, oncologia, reprodução assistida, cardiologia, medicina estética e cirurgia de redução do estômago.

Um terceiro fator é, digamos, o calor humano. "Nossas consultas são mais demoradas, conversamos mais e somos mais abertos a entender o que o paciente quer, enquanto na Europa o relacionamento é mais frio", diz a dermatologista paulista Ligia Kogos, que tem como clientes muitas alemãs, suecas, dinamarquesas e holandesas. São principalmente aeromoças, que, quando passam alguns dias na capital paulista, aproveitam para aplicar Botox e fazer peelings leves. A cirurgia plástica e estética foi, por sinal, a primeira especialidade brasileira a chamar atenção no exterior. Desde os anos 60, a Clínica Ivo Pitanguy, no Rio de Janeiro, é um centro de referência internacional. "Nos Estados Unidos, os especialistas brasileiros em tratamentos estéticos são conhecidos pela qualidade, equivalente à dos americanos, com a vantagem de cobrarem a metade do preço", diz a americana Andrea Bope, de 34 anos. Publicitária no Texas, ela veio visitar uma cunhada que vive em São Paulo e aproveitou para fazer aplicações de Botox no rosto.

O quarto atrativo da medicina brasileira é a disposição para adotar novos tratamentos e procedimentos. Em muitos países, a postura médica é mais conservadora ou a legislação impõe restrições que não existem no Brasil. Na Itália, por exemplo, são proibidos a doação de esperma, a barriga de aluguel e o embrião congelado. A inseminação artificial só é autorizada a casais heterossexuais que comprovem relacionamento estável. A ausência de restrições desse tipo estimula casais italianos a cruzar o oceano para fazer tratamentos de fertilização in vitro no Brasil. Nos Estados Unidos, médicos e dentistas evitam certas intervenções cirúrgicas arriscadas, com medo de se verem processados por pacientes insatisfeitos. O implante dentário, por exemplo, que não dá o resultado desejado em 15% dos casos, é uma fonte de encrencas. "Atendo um bom número de pacientes indicados por colegas americanos, que preferem recusar determinados tratamentos", diz o dentista paulista Mario Lutfi Filho. Ele oferece aos americanos um pacote completo, que inclui, além do tratamento dentário, a hospedagem em flat e carro com motorista. A Sociedade Brasileira de Odontologia Estética estima que, no ano passado, 1.500 turistas vieram fazer implantes, clarear os dentes e colocar facetas de porcelana, os serviços mais procurados. "O Brasil também exporta um padrão de beleza, que é representado por modelos como Gisele Bündchen", analisa o dentista carioca Marcelo Fonseca. "Isso ajuda a atrair a atenção para nossa medicina estética."

Muitos médicos e hospitais brasileiros oferecem comodidades especiais aos pacientes estrangeiros. Graças a uma parceria estabelecida com uma agência de viagens, o ginecologista paulista Arnaldo Cambiaghi, especialista em reprodução assistida, providencia para seus pacientes desconto em hotéis, carros com motorista, intérpretes para as consultas e passeios turísticos. Ele recebe em média três clientes estrangeiros por mês. "Nossos índices de sucesso na fertilização in vitro equivalem aos alcançados na Europa e nos Estados Unidos, com a vantagem de sair mais barato", diz Cambiaghi.

Europeus e americanos procuram sobretudo cirurgias plásticas e clínicas de dermatologia especializadas em tratamentos de beleza. Sul-americanos em geral estão atrás de especialidades como oncologia e cardiologia. A permanência média dos pacientes estrangeiros no Brasil é de 22 dias e o gasto médio diário per capita é de 120 dólares, mais alto que o de qualquer outro grupo de turistas. O fluxo mais bem organizado vem dos Estados Unidos, onde opera meia dúzia de agências especializadas. Uma delas, a Cosmetic Vacations, com sede em Miami, enviou nos últimos dois anos 2.000 pacientes americanos para cirurgiões plásticos brasileiros. A maioria dos turistas, contudo, ainda vem por conta própria, atraída pela propaganda boca a boca. A espanhola Fefa Fernandez Perez, de 74 anos, está aproveitando o Rio depois de fazer um pacote completo de cirurgia plástica com uma médica indicada por uma amiga brasileira. Ela retocou os olhos, o nariz e o pescoço, colocou silicone nos seios e, para arrematar, submeteu-se a uma lipoaspiração. "Volto para casa com a aparência de uma mulher dez anos mais nova", comemora Fefa.

Apesar do crescimento nos últimos anos, o Brasil permanece muito distante da Tailândia, a líder mundial desse mercado entre os países em desenvolvimento. No ano passado, o país asiático faturou meio bilhão de dólares com serviços médicos prestados a estrangeiros. O mega-hospital Bumrungrad, em Bangcoc, que recebe 350.000 pacientes estrangeiros por ano, oferece o conforto de um hotel cinco-estrelas a quem aguarda cirurgias ou faz um check-up. A maioria dos clientes vem da Ásia, do Oriente Médio e dos Estados Unidos. Os 40 milhões de americanos que não dispõem da cobertura de um plano de saúde e precisam pagar do próprio bolso por tratamentos médicos são, por sinal, os clientes mais cobiçados pelos médicos do Terceiro Mundo. O governo indiano recentemente criou um visto especial para os turistas em busca de tratamentos de saúde. Mais simples de ser obtido, permite ao paciente e acompanhante estender o prazo de estada por até um ano. No ano passado, cinco hospitais – o Hospital do Coração, o Sírio-Libanês e o Samaritano, em São Paulo, o Hospital Brasília, no Distrito Federal, e o Moinhos de Vento, em Porto Alegre – criaram um consórcio que investirá 1,5 milhão de reais na divulgação dos serviços de saúde brasileiros na América Latina, na África e no Oriente Médio. São regiões cheias de clientes em potencial para médicos e hospitais do Brasil.

Fonte: Revista Veja
Edição 1940
25 de janeiro de 2006
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