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São Paulo vira polo de turismo de saúde

Publicado em 23/12/2008

O designer londrino Josh Jr., 28, curtiu o penúltimo dia de férias batendo perna na Oscar Freire. A tarde de compras fechou um roteiro que incluiu o recém-inaugurado shopping Cidade Jardim. Ele visitou ainda a Pinacoteca, o Masp, o Museu da Língua Portuguesa e o MAM, além de assistir a um musical e a duas peças.

Não se trata de um mero visitante explorando as opções culturais e de compras em São Paulo. Ele gastou em média US$ 1.100 por dia na cidade, quase dez vezes mais que os US$ 120 de um turista comum. O destino principal de Josh nos 20 dias que esteve no Brasil foram os consultórios médicos.

Josh escolheu São Paulo para um tipo de turismo que metrópoles de todo o mundo disputam ferreamente: o de saúde. A Organização Mundial de Turismo (OMT) projeta que o segmento deve movimentar cerca de US$ 60 bilhões, entre 2012 e 2015. O Brasil entra nessa briga contra gigantes como a Tailândia, uma das líderes do setor, que chega a faturar US$ 500 milhões por ano com o turismo médico.

Londrino Josh Jr. vai das compras ao consultório da cirurgiã plástica Luciana
"Os profissionais brasileiros são mais atenciosos que os de Londres", compara Josh, que fez check-up com cinco especialistas. O primeiro foi um ortopedista para cuidar de um antigo problema no joelho.

No oftalmologista, foi avisado de que precisava de lentes novas. Do dentista ouviu que não era o caso de fazer clareamento nos dentes, mas de uma simples limpeza. Passou ainda em uma dermatologista. Acabou no centro cirúrgico. Fez uma rinoplastia, operação plástica de nariz que vinha planejando há anos.

Consultas, exames e cirurgias foram o programa de férias de cerca de 50 mil estrangeiros que desembarcaram no país em 2006. Faltam estatísticas atualizadas, mas o aumento no número de pacientes estrangeiros é confirmado pelo movimento em hospitais e clínicas paulistanas que desfrutam de excelência internacional. O Hospital Israelita Albert Einstein, que em 2006 atendia cerca de 200 pessoas vindas do exterior por mês, neste ano, viu a média subir para 300.

Para receber uma clientela exigente e disputada, São Paulo começa a acordar para a profissionalização do turismo médico. Josh, por exemplo, saiu de Londres assessorado pela Prime International, empresa especializada no receptivo de estrangeiros em busca de atendimento médico fundada em 2006. "Eles resolveram todos os meus problemas", conta Josh.

Recebido no aeroporto de Guarulhos por um funcionário da Prime, logo no desembarque, ele ganhou um celular habilitado para seu uso exclusivo durante a temporada turístico-hospitalar. Pelo telefone, Josh recebia informações sobre o horário das consultas pré-agendadas pela empresa. Ficava sabendo quando o resultado de cada exame saía do laboratório para a mesa do médico. "Contratei uma espécie de mãe", diz ele, que desembolsou R$ 400 pelo serviço, fora os extras com motorista e enfermeira particular.

Josh deixou no país um total de US$ 22 mil, se computados todos os gastos --de ingressos para shows aos custos médico-hospitalares e de hospedagem. Entre uma consulta e outra, o turista/paciente cumpriu um roteiro personalizado. O receptivo fez todas as reservas, comprou ingressos (entregues no hotel) e providenciou transporte na hora marcada. "Recebi os ingressos de 'Miss Saigon' no quarto", agradece Josh.

A Prime é uma das pioneiras desse novo setor. A empresa oferece atendimento 24h para socorrer o cliente em qualquer situação, com enfermeiras bilíngües, chefs de cozinha (para dietas especiais) e até segurança particular. "A pessoa viaja pensando na cirurgia e não precisa de outras preocupações", resume Mariana Palha, coordenadora da Prime, que atende uma média de 12 pacientes por mês.

De olho no potencial desse nicho, há dois anos, a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) firmou parceria com seis instituições brasileiras para divulgar no exterior o setor de saúde. Entre os participantes do Consórcio Saúde Brasil estão os hospitais Samaritano, Sírio-Libanês e HCor. Foram gastos R$ 1,3 milhão em propaganda.

O Sírio-Libanês investiu outros R$ 1,6 milhão na criação de uma divisão para estrangeiros. A aposta tem garantia de retorno: esses pacientes já representam 5% do caixa do hospital deste ano, contra 0,5% em 2007. Já o Hcor investiu no quadro de funcionários e viu as internações de estrangeiros crescerem 83% em 2008. Tem uma hostess para atendê-los. A instituição cadastrou as habilidades em línguas de todos os seus funcionários da área de segurança à enfermagem.

Dólar X real

"Os altos preços dos serviços médicos nos EUA e na Europa impulsionam esse mercado", afirma o presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados, José Antônio de Lima. Mesmo com a desvalorização do dólar frente ao real, incluindo passagem e hospedagem, o serviço médico no Brasil ainda é mais barato.

A economista americana Patty Prestton, 24, fez as contas. Ponto para São Paulo, incluída no roteiro de 30 dias de férias de mochila nas costas com mais duas amigas e a irmã por várias cidades da América do Sul. Os nove dias na capital paulista fecharam a viagem com uma cirurgia plástica. Patty colocou 250 ml de silicone. Gastou R$ 6.800, cerca de um terço do que pagaria no seu país. "Eu me surpreendi com o valor da cirurgia, bem mais em conta que nos EUA", diz Patty, que vai passar o Natal com "seios novos".

Como o tempo mínimo de repouso é de oito dias, ela só poderia ter feito o procedimento durante as férias, em julho. "Não queria desmarcar a viagem, então conciliei as duas coisas", explica ela, que conseguiu manter o espírito de turista até a véspera da cirurgia, em 25 de julho. Patty se despediu das amigas de viagem em um bar da Vila Madalena.

A comunidade médica vê com cautela a associação de turismo e saúde. Para eles, o tratamento está em primeiro lugar e não pode, em hipótese nenhuma, ser posto em segundo plano. "O paciente não pode fazer uma cirurgia e ir direto para a balada, sem respeitar o tempo de recuperação", alerta a cirurgiã-plástica Luciana Pepino, que fez a rinoplastia em Josh. "Não dá para viajar com cirurgia marcada. Só no consultório, eu bato o martelo sobre a viabilidade do procedimento, como e quando será feito."

A explicação do sucesso brasileiro entre estrangeiros poderia ser o somatório de preços atrativos, bons profissionais e clientes dispostos a embarcar na aventura. Mas não é só. Alguns centros brasileiros de reprodução assistida, por exemplo, têm taxa de sucesso até 20% superiores que de seus pares europeus. "A nossa tecnologia está mais desenvolvida, e as pesquisas em reprodução humana têm avançado com mais rapidez aqui", atesta Paulo Serafini, da Clínica Huntington, em São Paulo, que atrai européias que poderiam até fazer o tratamento de graça em seus países.

Útil ao agradável

A legislação nacional mais flexível também colabora. Vários países europeus só permitem.u a fertilização com apenas dois embriões por tentativa, enquanto no Brasil, o limite são quatro. "Os casais que querem engravidar buscam resultados", resume o especialista em reprodução humana Roger Abdelmassih. Na clínica que leva o seu nome, 10% dos ciclos de fertilização in vitro são feitos em pacientes estrangeiras.

Como o processo de fertilização exige paciência do casal, combinar tratamento e turismo parece perfeito. "Ao unir o útil ao agradável, a vantagem do Brasil em relação a outros grandes centros mundiais de reprodução humana fica maior", diz Abdelmassih.

Para a professora libanesa Alia Abed Ali, 27, e seu marido, o dentista Youssef Tehini, 42, o Brasil era a chance de realizar o sonho de ter filhos. Depois de uma tentativa frustrada na Noruega, onde mora, o casal ouviu dos médicos de lá que a gravidez era improvável. Eles decidiram procurar especialistas brasileiros. Concebida em São Paulo em 2005, Reba, a filha do casal, acaba de completar dois anos.

Animados com o resultado, planejaram mais três crianças. O plano começou a ser colocado em prática em junho, quando Alia retornou ao Brasil para um novo tratamento. Foram implantados três embriões no seu útero. Há poucos dias, ela soube que está grávida de mais uma "brasileirinha" ou "brasileirinho".

Nos países de língua portuguesa, a medicina brasileira faz sucesso há algum tempo. O relações-públicas angolano Paulo Kabanga, 30, passou três meses em São Paulo para tratar um quelóide na nuca com a dermatologista Ligia Kogos. Paulo foi lutador de boxe até os 25 anos. De tanto raspar a cabeça para as lutas, desenvolveu o problema que o obrigou a usar boné até o mês passado, quando saiu da clínica sem o acessório, pela primeira vez em 12 anos.

Paulo tentou todo tipo de tratamento em Luanda, onde mora. Chegou a se consultar com médicos em Portugal. Escolheu ser operado por uma brasileira por achar que os médicos daqui são muito mais especializados e atenciosos. "Aqui, explicam tudo com detalhes, mostram fotos e fazem milhões de perguntas. Nunca tinha sido tratado assim antes."

Antes da cirurgia, passou uma semana no Guarujá. Em dezembro, ele volta ao Brasil em férias com a mulher e os filhos, e aproveita para fazer um check-up.

Potência mundial

O Brasil também é referência na América do Sul. "Avaliamos vários países. Ao final, o Brasil tinha os melhores profissionais e técnicas de cirurgia cardíaca pediátrica", conta o engenheiro venezuelano Eduardo Javith, 37, pai de Elisa, que corria risco de morte quando veio a São Paulo, em maio, para tratar uma doença grave na válvula mitral do coração.

O pai se emociona ao dizer que se a filha acaba de completar oito meses é graças aos médicos brasileiros. "O Brasil é uma potência em cardiologia", diz Arlindo Rizzo, cirurgião cardíaco que operou a criança.

A cirurgia plástica continua liderando o ranking de procura por estrangeiros. Além da fama de Ivo Pitanguy, as técnicas brasileiras contam com a beleza natural como aliada. Foi a possibilidade de conhecer belas praias e, ao final, voltar para casa com o visual repaginado que trouxe a editora de livros francesa Carole Martelli, 28, ao Brasil para um período sabático de seis meses.

Carole separou bem as duas atividades. "Tem que ter responsabilidade e seguir as orientações médicas", diz a francesa, que antes da cirurgia visitou Rio, Paraty, Campo Grande e o Pantanal. Após o giro, ela "estacionou" em São Paulo por dois meses para se preparar para a intervenção plástica. "Os melhores centros médicos do Brasil estão aqui", justifica ela, que se internou no hospital Albert Einstein.

Depois de uns 15 dias de repouso na casa de amigos nos Jardins, Carole voltou a curtir a cidade. "Adoro a efervescência da Augusta e fazer compras no centro", diz ela, na pele de turista que retornou à Europa com a mala cheia de pechinchas da rua 25 de Março. E com nariz novo.

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u437924.shtml
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