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"Quero mais tempo" - Ivo Pitanguy

Publicado em 26/01/2009

"Do ponto de vista espiritual, o trabalho embrutece um pouco. E eu tenho medo disso"

Ao longo de cinqüenta anos de carreira, o cirurgião plástico Ivo Pitanguy fez mais de 60.000 cirurgias, proferiu 1.500 conferências ao redor do mundo e formou 412 médicos. Sua fama é planetária. Mineiro de Belo Horizonte, Pitanguy construiu também a imagem de homem incansável. Aos 74 anos, ele continua a exercer suas atividades praticamente no mesmo ritmo de duas décadas atrás. Nas manhãs de quarta-feira, ele atende de graça, na Santa Casa carioca, pessoas carentes que necessitam de cirurgias reparadoras. Quase todas as tardes, dá expediente em sua clínica particular. Nos últimos tempos, porém, vem demonstrando um certo cansaço. "Comecei a preparar minha clínica para que ela sobreviva sem mim", afirma. Os boatos de que estaria doente volta e meia se espalham. O último deles fala em mal de Parkinson. Pitanguy faz mais do que negar a doença com veemência. Desmente o falatório com trabalho. No dia em que concedeu a entrevista a VEJA, havia feito três cirurgias. "Meu interesse em continuar a operar pode durar um mês, dois meses ou dez anos", diz ele.

Veja – O senhor ainda trabalha no ritmo de vinte anos atrás?
Pitanguy – Estou procurando desacelerar. Não dá para trabalhar com a mesma intensidade de antigamente. É inevitável: chegará um momento em que, por enfado ou por qualquer outro motivo, posso querer parar de fazer medicina. Por isso, comecei a preparar minha clínica para que ela sobreviva sem a minha presença. Para que tudo dê certo, é preciso que os pacientes confiem na minha equipe da mesma forma que confiam em mim.

Veja – Na sua ausência, a clínica sempre fechava. Ainda é assim?
Pitanguy – Não. Agora ela permanece aberta. Inclusive porque, na minha ausência, a estrutura de ensino que montei na clínica tem de prosseguir. Vou dizer uma obviedade: não sou eterno. Antes, coitadinho de mim, eu achava que minha vida duraria para sempre.

Veja – O senhor está cansado de operar?
Pitanguy – Um dia de consultório hoje me cansa mais do que uma operação. A clínica ainda gira muito em torno de mim... Mas ando sentindo também a necessidade de ficar um pouco mais comigo mesmo, com minha mulher. Do ponto de vista espiritual, o trabalho embrutece um pouco. E eu tenho medo desse embrutecimento. Sabe, quero me livrar do peso da obrigação de estar ligado ao trabalho. Passados tantos anos, gostaria que os laços com a profissão fossem apenas de prazer. Na semana passada, trouxe o meu barco de Angra dos Reis para o Rio e ainda não tive tempo de usá-lo. Quero conciliar um pouco mais a minha vida pessoal com a profissional.

Veja – Até quando o senhor pretende operar?
Pitanguy – Gostaria de saber, mas não dá para prever o futuro. Meu interesse em continuar com as cirurgias pode durar um mês, dois meses ou dez anos.

Veja – O senhor deixou de realizar algum tipo de cirurgia?
Pitanguy – Não. Mas, quando o paciente está de acordo, delego o serviço mais pesado à minha equipe. Evidentemente, o preço cobrado nesses casos é menor. Nas operações muito grandes, como as de abdome e de mama, só faço a parte principal. Quando é uma lipoaspiração, demarco a área, supervisiono os trabalhos, mas o procedimento é feito muito mais pelo meu time. Ao longo da minha carreira, fiz muitas cirurgias de mão. No entanto, as técnicas utilizadas nesse tipo de operação evoluíram tão rapidamente que o meu conhecimento não acompanhou o avanço. Consegui conter meu ego e contratar dois cirurgiões especialistas em mão para integrar o quadro da minha clínica.

Veja – A velhice o incomoda?
Pitanguy – Acho que lido bem com ela. Continuo a praticar esportes e a cultivar a vida intelectual. Não posso negar que, ao me olhar no espelho, de vez em quando levo um susto. De qualquer forma, procuro não fazer disso um motivo para entrar em depressão. Volta e meia surgem boatos de que estou doente. Agora andam dizendo por aí que estou com mal de Parkinson. Não tenho Parkinson nenhum. No Carnaval passado, estava esquiando na Suíça, sofri uma queda e tive um traumatismo no ombro direito. Como ainda estou com dificuldade de movimentar o braço, surgiu essa história.

Veja – Noto que suas mãos tremem.
Pitanguy – Minhas mãos são firmes como um rochedo. Não tenho nenhum tremor. Ainda que tivesse, poderia operar do mesmo jeito. Já vi médicos que tremem operarem. O que comanda a mão é o cérebro. O Aleijadinho tinha os dedos toscos e fazia todas aquelas obras-primas. No momento em que percebesse que poderia prejudicar alguém, eu pararia na hora. Opero ao lado de um time, não faço nada escondido. A minha parte realizo muito bem, como nas três cirurgias que fiz hoje. Não tenho nenhum problema neurológico. Não sou obrigado a falar sobre minhas condições de saúde. Político é que tem de dar satisfação pública. Eu tenho de dar satisfação aos meus clientes.

Veja – Há uma controvérsia em torno de sua idade. Afinal, quantos anos o senhor tem?
Pitanguy – Essa é uma questão um tanto confusa. Eu mesmo não sei o que dizer ao certo. Nasci em 5 de julho de 1926. Tenho, portanto, 74 anos. Mas no meu registro oficial consta o ano de 1923. Meu pai modificou a data de meu nascimento, porque eu precisava parecer mais velho. Isso porque me formei muito novo, com apenas 20 anos.

Veja – O senhor já se pegou diminuindo a própria idade?
Pitanguy – Uma vez tentei impressionar uma moça, dizendo que tinha 40 anos. Mas, como tinha 19 anos, ela me achou um velho. A verdade é que essas coisas deixam de ter importância depois de uma determinada fase da vida.

Veja – O senhor tem medo da morte?
Pitanguy – Não temo a morte, mas não quero pensar nela. Meu desejo é morrer em pleno sentimento de amor à vida.

Veja – O senhor nunca se submeteu a uma plástica?
Pitanguy – Eu me tolero... Na verdade, tenho um medo danado de médico e não quero ser operado. Pessoas que se sentem bem consigo mesmas não devem fazer plástica nenhuma. Muitas rugas podem recordar momentos de alegria e não tiram a dignidade do rosto.

Veja – Qual é o seu conceito de beleza?
Pitanguy – A beleza tem de transcender o físico. Para mim, a americana Wallis Simpson, que viveu aquele célebre caso de amor com o duque de Windsor, levando a que ele abdicasse do trono da Inglaterra, era uma bela mulher. Apesar de não ter os traços e o corpo bonitos, ela impressionava pela sua presença marcante.

Veja – Depois dos americanos, os brasileiros são o povo que mais faz plásticas no mundo. O que pensa disso?
Pitanguy – A cirurgia plástica é uma especialidade cirúrgica sujeita a riscos como qualquer outra. Não se pode pensar que fazer uma plástica é o mesmo que ir ao cabeleireiro. Existe uma tendência à vulgarização que deve ser combatida. Há médicos, por exemplo, que realizam cirurgias sem o devido preparo. E gente despreparada pode pôr a perder todo o respeito e prestígio que profissionais gabaritados suaram para conseguir. Muitos resolvem enveredar pela cirurgia plástica somente por causa dos seus atrativos financeiros. Acho que o médico tem de ser bem remunerado, mas esse não pode ser o princípio que norteia a profissão. Essas pessoas têm uma moral diferente da que professamos e estão fora do princípio hipocrático. O outro ponto, a meu ver, é que a questão estética no Brasil ultrapassa o campo da cirurgia plástica. Hoje em dia, entre os brasileiros, há uma preocupação excessiva com o corpo – e, com isso, deixa-se de lado o espírito. É saudável que as pessoas se cuidem, mas passar três horas por dia numa academia é um exagero. É mais importante desenvolver o intelecto do que os músculos do bumbum.

Veja – Acontece de o paciente querer mais do que é possível oferecer?
Pitanguy – É uma situação bastante comum. Há pessoas que transferem para o corpo problemas de ordem psicológica e começam a se enxergar de uma forma absolutamente irreal. Às vezes, o cirurgião plástico tem de dizer "não" e recusar-se a operar. Imagine, no entanto, uma mulher na virada dos 40 para os 50 anos que tenha envelhecido precocemente e que esteja insatisfeita com a sua aparência. As rugas até podem ser um problema de pouca importância. Mas são reais. Nesse caso, nós podemos dar a ela não a juventude, mas a ilusão da juventude.

Veja – O que o senhor acha dos médicos que realizam pequenos procedimentos cirúrgicos em clínicas estéticas e salões de beleza?
Pitanguy – Para mim, eles não são cirurgiões, e sim bandidos, charlatães. São pessoas desprovidas de ética. Não os considero colegas.

Veja – E quanto aos profissionais que, em troca de publicidade, operam gente famosa de graça?
Pitanguy – Essa conduta é errada. A cirurgia plástica deve ser exercida como qualquer outra especialidade. Ou seja, os médicos são obrigados a guardar sigilo em relação a seus pacientes. Acho que toda propaganda deve ser evitada, especialmente aquelas que mostram desenhos e fotografias de "antes" e "depois". Se um ator aparecesse aqui propondo esse tipo de negócio, recusaria enfaticamente. Mas não vejo nenhum mal em operar um artista plástico e ele pagar com um quadro. É o meu trabalho pelo dele.

Veja – A preferência nacional sempre foi o bumbum, mas recentemente os seios fartos viraram febre. O senhor não acha que algumas mulheres estão exagerando na quantidade de silicone?
Pitanguy – Os homens brasileiros passaram a venerar a mama grande por influência da cultura americana. Não vou citar nomes, mas algumas mamas foram feitas um pouco maiores do que o recomendável. Uma prótese normal acentua os contornos femininos e dá graça à mulher. Isso não ocorre quando ela é grande demais. Próteses imensas são de um imenso mau gosto. Se uma paciente me pede uma prótese maior do que a que julgo ideal para ela, procuro convencê-la de que o excesso não lhe cairá bem. Se a cirurgia for contra o meu senso estético, simplesmente não opero.

Veja – A plástica sofre influência da moda?
Pitanguy – Sim. Mas é preciso lembrar que o modismo não deve ser a razão da plástica. A moda passa; a plástica é definitiva.

Veja – A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica é contra a simulação computadorizada para mostrar ao paciente os possíveis resultados de uma operação. E o senhor?
Pitanguy – Acho que é melhor conversar do que vender uma imagem que pode não ser real. Minha clínica dispõe de computadores moderníssimos, capazes de fazer simulações em questão de minutos, mas não uso esse recurso porque não gosto, não é meu estilo. Na minha opinião, uma conversa franca sobre o que é possível ou não fazer transmite mais confiança ao paciente. É mais real do que mostrar uma imagem que nem sempre se concretizará.

Veja – De vez em quando, surgem notícias de pessoas que morreram durante uma lipoaspiração. O procedimento é seguro?
Pitanguy – A lipoaspiração faz parte do arsenal de todo cirurgião plástico. Como é um procedimento aparentemente fácil, caiu na mão de gente sem preparo. Isso aumenta seus riscos. Bem feita, no entanto, é uma coisa fantástica. Só se deve fazer lipo em gorduras localizadas. Quem está acima do peso, não deve achar que a lipo é o caminho mais curto para o emagrecimento.

Veja – É o senhor quem estabelece o preço de uma cirurgia?
Pitanguy – Eu nunca falo em dinheiro. É minha secretária que examina a capacidade financeira de cada cliente e determina quanto o procedimento vai custar. Eu nem fico sabendo.

Veja – O que o senhor não tem e gostaria de ter?
Pitanguy – Tempo. Eu queria mais tempo.

Fonte: Revista Veja
Edição 1 698
02 de maio de 2001
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